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terça-feira, 20 de julho de 2010

Poesia Moderna

Kafka dizia que a arte foi feita para abrir nossa cabeça como um machado. Aberta, ela deixa de ser aquilo que sempre foi e precisa se organizar, de novo e sempre, para poder repensar-se a si mesma a partir dos pedaços que sobraram.

Repensar a si mesma no próprio cerne de sua criação é o legado da arte moderna.
E eis que o poema "Arte", de Leonardo Araújo, se propõe a tal:

Arte

Como o silêncio dos seus olhos, feixe de ausência,
o poema mais difícil é o que insiste em falar,
mas que nunca aflora, fica preso no limbo,
arranhando o que não sei ― porém é bem dentro.

Como o brilho dos seus olhos, facho de luz,
o poema mais vivo é o que dá o tapa,
clareia sem tudo explicar ― o que seria cegar
por excesso de luz ou desperdício de verbo.

Como o mistério dos seus olhos foz de incerteza,
o poema mais intenso é o que dispensa estrofes;
não simula versos nem rimas, mas insinua
sem dizer por decreto ― onde, de fato, acabaria a arte.

Mesmo quando fala de "Amar, amor" (título de um dos poemas), percebe-
se ali a linguagem discutindo a si mesma,nessa poética que nos ensina
que para ser grande leitor de poesia, como para ser grande amante,
precisa-se do "vis-à-vis, é como ser cúmplice da outra parte".

No Tapa, publicado pela editora Scriptum, tem 54 poemas. Universos variados de reflexão onde "nada está garantido, isento de perigo". Uma linguagem de aparente simplicidade, mas crítica em sua clareza, como diz na orelha do livro o poeta e critico literário Mário Alex Rosa.

Os poemas anunciam proposições e sentenças, mas se engana quem acha que são veredictos definitivos sobre a vida, pois são, isto sim, desconcertos que a linguagem poética funda para nos fazer pensar que a vida deve ser vivida "na praxis, como se ama, no embate". A vida, afinal, é onde "nada está esclarecido ou definido", "nada está confirmado ou filosofado", "nada está sacramentado ou justificado" ― aceitar isso não seria aceitar mesmo o próprio princípio da poesia?

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